quarta-feira, 15 de abril de 2015

Kendrick Lamar - To Pimp a Butterfly



No dia 16 de Março, estava eu nas praias paradisíacas da Tailândia, aparentemente desligada de tudo e de todos, quando um alvoroço chegou até mim proveniente das redes sociais portuguesas - saíra o novo álbum de Kendrick Lamar e, por sinal, era bombástico!

Ora, conhecendo o seu antecessor, "good kid, m.A.A.d city" (2012) e ainda com o concerto do ano passado bem fresco na memória (NOS Primavera Sound), fiquei imediata e completamente inquieta para ouvir o álbum!

E assim foi. Chegada a Portugal, das primeiras coisas que tratei de fazer foi ouvir "To Pimp a Butterfly" e, tenho a dizer-vos, que álbum...! Após ouvi-lo pela primeira vez senti-me deveras preocupada com a quantidade e variedade de coisas que tinha entre mãos por desvendar. Ansiedade - era a palavra, por saber que ainda tinha tanto por descobrir, investigar, palmilhar... tanto com o que me deliciar naquele álbum.
Levei o meu tempo. Por mais urgência que sentisse em escrever freneticamente, sabia que um álbum como este merece e leva tempo, dedicação e atenção a digerir, algo que ainda o estou a fazer.

A pergunta agora é: por onde começar?

Talvez pela carga, essência e razão de ser primordial deste disco - a música enquanto responsável por abrir e mudar mentalidades, passar uma mensagem, unir formas de estar e pensamento.

O que me leva a uma nova pergunta: pode um disco ser um sucesso de criticas e de vendas e, simultaneamente, altamente consciencioso, transmitindo uma mensagem séria, gritante e positiva?

Pode. Não tivéssemos já um "What's Going On" ou, mais recentemente, um "Black Messiah" para o comprovar.

À semelhança do messias D'Angelo, também Lamar regressou em força, pronto para lutar nesta revolução pacífica, munido de muito boa música, cujo grito de guerra é "To Pimp a Butterfly".

Mudam-se os tempos, as décadas, as músicas, mas a alma e a mensagem continuam as mesmas e, felizmente, tal como no passado vozes mais altas se levantaram, sentindo o dever de falar por todos, também hoje há quem não se faça calar.

How many niggas we done lost bro? This, this year alone. - pergunta-nos Kendrick Lamar numa espécie de motim organizado no final do seu primeiro single "i". Inspirado pelo soul dos Isley Brothers ("That Lady"), o cantor dá-nos a conhecer o seu primeiro single, numa versão posteriormente melhorada, a meu ver, no álbum.



Os últimos acontecimentos de violência e racismo que têm ocorrido nos Estados Unidos enfureceram também Kendrick, resultando em músicas com cargas pesadas e letras pautadas pela raiva e pela dor como é o caso de "The Blacker The Berry", onde todos e cada um dos seus versos começam com I'm the biggest hypocrite of 2015. Hipocrisia essa que é referida pelo cantor ao constatar que muitos dos cidadãos afro-americanos que lamentam os assassinatos de pessoas da mesma raça, ao mesmo tempo, também eles próprios promovem actos de violência contra os seus.



Assim, tal como já o transmitiu no seu anterior trabalho, onde um 'good kid' (Kendrick) não se perdeu numa 'm.A.A.d city' (Compton, Califórnia, sua terra natal), o cantor procura  contrariar e desmistificar a conotação negativa, associada à violência que o hip hop tem pela sociedade em geral. Assumindo quase que como uma responsabilidade civil enquanto artista, a de transmitir o quão benéfica pode ser a música para uma comunidade.

Uma responsabilidade com a qual o cantor lida ao longo dos seus 16 temas, culminando no último, "Mortal Man", onde, além do sample de Fela Kuti ("I No Get Eye for Back"), é simulada uma conversa transcendente entre Lamar e o legendário Tupac, na qual os mesmos se questionam (e nos questionam também) de que forma esta influência deve ser utilizada, sem ser de forma abusiva.

Mas vamos à música! Tal como não só de mensagens e temáticas importantes é composto este trabalho, também não só de hip hop é pintado este quadro. Uma vasta palete de soul, jazz, funk e spoken word dão cor e vida a este álbum, que contou com uma equipa vencedora na sua produção: Dr. Dre, Flying Lotus, Pharrell Williams e Thundercat, entre outros.

Um disco grande, denso e esquizofrénico, mas cuja panóplia de sons e estilos diferentes encontra-se tão bem arrumada dentro da mesma casa, que nos dá vontade de vaguear de sala em sala, de forma aleatória e escancarada, sem fecharmos qualquer porta atrás de nós.


Em "For Free? (Interlude)" a hiperactividade de Lamar deixa-nos sem fôlego, num jazz caótico com a loucura e o toque do pianista Robert Glasper. A demência continua com teatralidade em "u", onde o cantor se depara com os dramas da sua vida pessoal, alcoolizando-se ao longo da canção e repetindo freneticamente para si mesmo loving you is complicated.  Em "Alright" é o Pharrell a falar e em "These Walls", se elas pudessem falar, seria sobre o lado negro da fama. Bilal, um dos representantes do neo-soul, está presente neste tema, bem como no anterior, "Institutionalized", onde dá voz juntamente com Snoop Dogg e refere: shit don't change until you get up and wash your ass, nigga. A mensagem aqui é limpinha.

Os rasgos de neo-soul, acompanhados por saxofones e o piano de Glasper, prevalecem tranquilamente em "How Much a Dollar Cost", "Complexion (A Zulu Love)" e "Momma" (onde ouvimos é a filha - Lalah Hathaway - filha de Donny Hathaway).

Por fim, o funk e a loucura de Lamar ganham vida em "King Kunta" - terceiro single do cantor.



Não é fácil fazer um resumo ou tirar conclusões deste disco. Contudo, a cabeça revoltada, angustiada e algo deprimida de Lamar é exposta de forma nítida e crua neste disco, sentindo-mo-lo quase que como uma partilha do cantor para connosco. Algo inesperadamente bom, esta maturidade complexa vinda de um artista de apenas 27 anos, mas que já nos deu tanto com este álbum.

E o que me agrada mais ainda é saber que, provavelmente, daqui a 1 mês, depois de continuar a ouvi-lo, poderia escrever um novo e diferente artigo sobre ele, se assim entendesse. Além do seu brilho, é esta sua capacidade de inesgotabilidade que o tornam num magnifico álbum, certamente, entre os melhores editados nos últimos anos.


Playlist:

01."Wesley's Theory" (featuring George Clinton & Thundercat)
02."For Free? (Interlude)"  
03."King Kunta"  
04."Institutionalized" (featuring Bilal, Anna Wise & Snoop Dogg)
05."These Walls" (featuring Bilal, Anna Wise & Thundercat)
06."u"  
07."Alright"  
08."For Sale? (Interlude)"  
09."Momma"  
10."Hood Politics"  
11."How Much a Dollar Cost" (featuring James Fauntleroy & Ronald Isley)
12."Complexion (A Zulu Love)" (featuring Rapsody)
13."The Blacker the Berry"  
14."You Ain't Gotta Lie (Momma Said)"  
15."i"  
16."Mortal Man"  

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